segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Drama de Charlote





Era noite naquele 4 de outubro de 1915. Nada mais se poderia fazer àquela altura. Portas e janelas hermeticamente fechadas, todos já se recolhiam às 02:00h na Av. Saint Petersburgo.
Aqueles eram tempos difíceis. O temor de uma guerra que há pouco se instalara atemorizava a cidade e ninguém se arriscaria a ponto de trafegar pelas ruas naquelas circunstâncias.
Charlote assistia, encerrada sob a janela do seu quarto, tudo quanto se passava, e a impossibilidade de ir ao encontro do seu ser amado era tarefa que lhe parecia impossível naquelas horas; mas não havia alternativa. Ele iria embarcar no navio logo mais às 3:00h e a possibilidade de nunca mais retornar a vê-lo feria-lhe as fibras mais íntimas do seu coração sofrido. Não podia perder a oportunidade de vê-lo, quiçá, pela última vez.
Seu pai, militar na reserva, homem de temperamento hostil e violento, jamais admitiria tal enlace. Em casa todas as horas, controlava os passos e, se lhe fosse possível, até mesmo a respiração da filha de muito perto. Ela, inebriada com o sentimento que já a dominava por completo, tudo fazia para ocultar o menor sinal que atestasse a sua condição de mulher apaixonada. E conseguiu com muita destreza a missão que ela própria se incubira de realizar.
Mas, naquele momento nada a impediria de ver o homem de sua alma: nem o temor da guerra, nem a solidão das ruas, nem o caráter virulento do seu pobre pai.
Respirou decidida e convicta do que queria. E saiu, sorrateiramente pela porta de maneira a não levantar suspeitas, ao cais da Av. Marrie Blanc. O frio àquela hora chegava a cerca de 3º negativos. Andar sob as lajotas das ruas molhadas pela fina neblina que caía, irrompia qual agulha o seu corpo frágil e quente de menina de 17 anos.
Estava na flor da idade; seus cabelos loiros e olhos de um profundo azul turqueza davam-lhe uma aparência angelical somando-se com a brancura de sua pele que, graças às rajadas de vento frio, tornavam-se rosáceas, qual duas maças maduras. O seu vestido de veludo vermelho emprestava-lhe um ar de seriedade que logo se desfazia quando sorria para alguém.
Ele, muito moço ainda, não alcançara os 20 anos quando a obrigação de servir ao país cujas terras o receberam ainda menino, conclamaram os seus esforços em prol de uma luta considerada perdida por todos. Resoluto e munido das mais finas esperanças que caracterizam a mocidade, tudo iria fazer para voltar vitorioso.
- Mesmo que me custe a vida! – clamava orgulhoso em meio a multidão logo ao saber das convocações.
Charlote logo ao saber da notícia caiu desfalecida vendo desvanecer todos os seus planos de felicidade.
Sentindo um profundo vazio e tomada de desespero por sentir a sua imaginável ventura esvair-se de súbito, procurou Henry com o propósito de convencê-lo a ficar:
- Não sobreviverei sem ti, meu amor! – suspirou em devaneio.
- Meu amor, não haverá um dia que não pensarei em você. Não há distância entre duas almas que se amam.
- Mas e se você não voltar?
- Eu vou voltar! Nunca mais repita isso!
E se abraçaram, fundindo-se um no outro no mais puro amor. Naquele momento nada mais existia além de um só corpo e uma só alma; ele era ela e ela era ele, nada a mais sob o negro céu de Verdin.
Duas semanas depois, eis que é chegado o dia da partida. E lá estava Charlote a caminho do cais sob a fina neblina que caía para o derradeiro olhar.
Mal imaginava ela que seria o último da sua existência...

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